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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gloria

admito que a culpa é uma solteirona sem escrúpulos, habituada a erguer a sua amurada, nos intervalos da inconsciência. mulher de sete vezes mil, vidas que se subtraiem em camadas como crostas jazentes num moribundo. sou eu que me faço assim. um pouco de respeito, porque mereço. só para não me dar a uma solteirona qualquer. desconfio das solteironas. quem não desconfia? mulher só, homem em trabalhos que das sobras da vida nunca hei-de comer. nunca me faltou alimento para a carnes e os meus tremores são perenes. antes a mão que mal acompanhado. esgalho uma pívea para a escuridão e afasto a culpa para um canto qualquer. depois, limpo da mão o meu secreto exorcismo e desço á terra para me entreter no esqueçimento. ás vezes chego a conseguir, ás vezes não. sempre. foda-se. não valho nada. pensava que o dificil fosse a primeira vez. como todas as primas tentações por debaixo do alcatrão da consciência: a primeira mentira, a primeira queca, a primeira queca que é uma mentira, a primeiro risco, a primeira queda, a primeira ressaca, a primeira relação, a primeira solidão, o primeiro impulso de morte.
foi a primeira vez. o gume resvalou para o seu frenesim mudo transpondo, á vez, a epiderme, a derme, os vasos sanguíneos, até á carne. a minha cabeça em tumefacção interna, á beira do colapso. sem respirar. eu e ela. o mundo suspenso lá fora. um corpo exaurindo o derradeiro suspiro. um olhar vítreo. e eu sem saber de mim. sem saber o que sentir. nada. nem sequer a razão válida que me empurrou para o gesto. a primeira vez, da próxima tudo seria menos romântico. ultrapassado o desafio, podia finalmente fazer parte por direito próprio do restrito grupo dos capazes, assim lhe chamava, com singeleza perturbante, o Presidente, hoje como antes e para sempre - ámen - senhor do destino do pequeno império no qual se haviam formatado os gangs da Cidade. Como um verdadeiro líder, só se fazia rodear pelos capazes, como é próprio das leis da natureza e estes, como eu, fazendo por merecer, A Glória estava viva e bem viva, pulsando em minhas mãos como sangue meu. em sangue, transformada em troféu numa bandeja de prata.
Glória era nome de mulher, sufragada no desejo maior de ser capaz. a primeira vez pela ultima vez, porque só sacrificamos o verdadeiro amor. por aqui me vou valendo da memória, para negar a solteirona sem escrúpulos que insiste em bater á porta.

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